EXECUÇÃO FISCAL DESCOMPLICADA – LEI Nº. 6.830/80

A Lei 6830/80 estabelece as regras e exigências para a satisfação de créditos da Fazenda Pública. Certamente, alguns privilégios são concedidos pela legislação ao Estado em razão do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade dos interesses públicos.

Se partirmos da premissa de que toda obrigação deve ser naturalmente cumprida, recebendo o credor o seu direito exigido do devedor, podemos entender que as premissas que diferem o rito comum da execução privada com das diretrizes da Lei nº. 6.830/80 são justificáveis pela finalidade da arrecadação tributária feita pela Fazenda Pública.

Sendo a consecução das políticas públicas condicionada ao erário, correto exigir com veemência daqueles que, como contribuintes, foram beneficiados e, como devedores, impedem o giro financeiro da arrecadação para aplicação social.

O título que instrui uma execução fiscal é a Certidão da Dívida Ativa (CDA). Pressupõe conferência e legalidade da dívida assim que é inscrita, guardando presunção de certeza e liquidez, sendo esses os requisitos necessários de um título apto à execução.

A presunção de certeza e liquidez é relativa, tendo o executado a legitimidade para questionar a inscrição. Conquanto, a inscrição tem o condão de transferir o ônus da prova ao executado. Partindo do princípio que todo ato administrativo goza de presunção de verdade, e sendo a CDA um ato administrativo em sua essência, cabe ao executado provar sua irregularidade.

PROTESTO DA CDA

O art. 585 do CPC dispõe que a CDA é um título executivo extrajudicial. Sabemos que títulos executivos extrajudiciais podem ser protestados como medida de restrição comercial para finalidade de satisfação da dívida.

Questiona-se, então, se a CDA, sendo qualificada pelo próprio CPC como título executivo extrajudicial, poderia ser protestada. Essa questão é tema de recurso repetitivo no STJ e ainda pende de julgamento.

Os contrários argumentam que seria uma dupla publicidade do débito e o protesto somente seria cabível a títulos de livre circulação. Acrescentam que a Fazenda Pública não pode requerer a falência do devedor, pois dispõe de meios próprios para exigir seus créditos.

Os que sustentam o cabimento do protesto da CDA argumentam que a Lei nº 9.492/97 (Lei Geral do Protesto) estabelece, dentre outros títulos protestáveis, os documentos comprobatórios de dívida. Não se exige que seja título de crédito, mas tão somente documento comprobatório de dívida. Certamente, e isso não se discute, a CDA é um documento desse tipo, que ainda goza de certeza e liquidez. Não haveria também qualquer vedação que um débito seja registrado mais de uma vez em órgãos distintos, ainda mais atualmente com a profusão de órgãos de proteção ao crédito.

ENDOSSO MANDATO

O endosso mandato é medida que transfere os direitos emergentes de um título a outra pessoa, garantindo-o. A Resolução 33/2006 do Senado autorizou o fisco a fazer o endosso mandato das CDAs em favor de instituições financeiras relativos aos créditos estaduais e municipais. Acredita-se que houve uma invasão da competência e autonomia dos Estados e Municípios, além de não ser essa uma atribuição do Senado. Com o endosso mandato, quem cobra as dívidas são as instituições financeiras, e não o fisco.

PROCESSO EXECUTIVO

O art. 132 da CF estabelece que a representação judicial da Fazenda Pública em juízo compete aos procuradores da Fazenda Pública. É possível a conciliação em execução fiscal, mas precisa de Lei do ente jurídico competente autorizando o fisco transacionar o crédito tributário.

Tal rigor se justifica porque a transação é hipótese de extinção do crédito tributário no Código Tributário Nacional, e tal situação somente pode ocorrer sem prejuízo ao erário, em ato motivado e fundamentado.

A propositura da execução fiscal deve ser, em regra, no domicílio do executado. Com o advento da Lei Complementar nº 118/05, segundo art. 174 do CTN, o despacho inicial contendo o simples “cite-se” já interrompe a prescrição.

Foi dito anteriormente que privilégios justificáveis ao ente público são concedidos pela Lei nº 6.830/80, sendo que a interrupção da prescrição do título com o mero despacho da inicial é tido por muitos renomados doutrinadores como uma concessão incompatível e inconstitucional.

Criar meios que assegurem o crível recebimento da Fazenda Pública de sua arrecadação devida é algo que atende ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e à indisponibilidade dos interesses públicos. Por tais razões, o rito da execução fiscal é diverso do previsto no CPC. Conquanto, tratar de modo desigual e desproporcional partes litigantes que deveriam figurar com isonomia, fere princípios constitucionais basilares do Estado Democrático de Direito.

De fato, não se pode confundir mecanismos processuais e meios práticos que assegurem o recebimento do crédito fiscal com concessão de privilégios e ampliação de direitos em detrimento do direito alheio.

As execuções fiscais de interesse da União, em regra, devem ser propostas no juízo federal do domicílio do executado. Onde não houver vara comum da justiça federal, e somente juizado especial federal, este não tem competência para julgamento da execução fiscal por vedação expressa da Lei do Juizado Especial Federal.

A Lei nº 5.010/66 (Organização da Justiça Federal) estabelece que, em não havendo vara federal no domicilio do executado, a execução fiscal é proposta perante a justiça estadual comum, com recurso para o Tribunal Regional Federal.

O art. 109, §3º da Constituição Federal autoriza que lei federal atribua a juízos estaduais competência federal. Nesse caso, também será o juízo estadual quem irá apreciar os feitos conexos à execução fiscal, como embargos à execução ou embargos de terceiros.

PRAZOS

O despacho inicial da execução implica em ordem de pagamento ou nomeação à penhora no prazo de 05 dias (pelo CPC o prazo é de 3 dias). Decorrido o prazo sem que haja o pagamento ou nomeação de bens à penhora, a ordem de citação já implica em determinação ao oficial de penhora, avaliação, nomeação de depositário.

Caso o oficial de justiça não localize bens penhoráveis, o art. 185-A do CTN determina que o juiz efetive o bloqueio eletrônico dos bens até o montante da dívida. Na prática, aplica-se o art. 655-A do CPC, ou seja, decorrido os 05 dias, ocorre penhora via bacen-jud. Ocorre que a sequência correta são as etapas do art. 185-A do CTN.

O STJ restringiu que, quando o executado é pessoa jurídica, essa indisponibilidade só deve atingir o ativo permanente, e não o ativo circulante, evitando atingir o estoque da empresa.

Em relação ao dinheiro, o STJ decide que, sendo pessoa jurídica, o bloqueio de valores deve obedecer ao rito da penhora de estabelecimento comercial. Para tanto, será nomeado um depositário administrador para separar os ativos, separar os valores para salários, depósitos previdenciários, fornecedores, entre outros. Se não for nomeado o depositário administrador, pode a pessoa jurídica impugnar o bloqueio online alegando ser o valor destinado ao ativo da empresa, pagamento de salário, fornecedor, cujo valor deverá ser liberado.

Uma vez garantida a execução, começa a correr o prazo de 30 dias para oposição de embargos. Se a garantia se deu mediante penhora, conta-se 30 dias a partir da intimação da penhora, e não da juntada do mandado de intimação.

No caso de depósito feito pelo executado para suspender a exigibilidade do crédito (depósito tem que ser integral e em dinheiro, conforme Súmula 112 do STJ), ele deverá embargar no prazo de 30 dias a contar da intimação da redução a termo do depósito feito. Quando a execução é garantida por uma Carta de Fiança (fiança bancária), os 30 dias são contados da juntada da carta de fiança nos autos.

Uma execução fiscal não pode ser embargada sem garantia do juízo, não se aplicando o art. 736 do CPC. Na execução fiscal os embargos dependem da garantia do juízo.

Se esgotados os bens penhoráveis, não havendo outros capazes de garantir a execução sem que se alcance o montante, essa penhora é suficiente para autorizar a oposição de embargos. Não é a critério do executado, mas por circunstâncias dos bens (Resp 995706).

EXCEÇÃO E OBJEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE

Segundo a doutrina, cabe exceção de pré-executividade quando houver um vício evidente, no sentido que não dependa de provas, mas que deve ser argüido pela parte. Quando for matéria de ordem pública e o vício for evidente, pode ser proposta a objeção de pré-executividade,  ou seja, matérias apreciáveis de ofício.

No final de 2010, a Súmula 393 do STJ estabeleceu que a exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal, relativamente às matérias conhecidas de ofício que não demandem dilação probatória. Portanto, acatou a tese da doutrina da objeção de pré-executividade.

Pela natureza dos institutos e de sua motivação, nada justo que a parte que alegue vício evidente ou matéria de ordem pública não seja obrigada a garantir o juízo para obstar a lesão. Portanto, no caso da exceção ou objeção, não há necessidade da garantia do juízo.

A prescrição pode ser conhecida de ofício, conforme dicção do art. 295 do CPC e art. 40, §4º, da Lei nº 6.830/80. Nesse sentido, a prescrição é um dos correntes temas que permeiam as objeções e exceções de pré-executividade, pois é norma de ordem pública e, em regra, dispensa dilação probatória.

O ato que rejeita a exceção de pré-executividade não extingue o processo, portanto, o recurso próprio contra ele é o agravo. No caso, como a alegação da exceção ou objeção de pré-executividade é a existência de um suposto vício ou matéria de ordem pública, estamos certos de que a modalidade de agravo apropriada é o de instrumento.

Se o juiz acolhe a exceção e extingue a execução, cabe apelação, haja vista o alcance da decisão, que resolve o processo. No entanto, se a decisão acolhe em parte a exceção, cabe agravo pelos mesmos fundamentos já aventados.

ASPECTOS DA CDA

A jurisprudência prevê o cabimento de honorários na exceção de pré-executividade. Quanto ao cabimento de se arguir compensação nos embargos à execução fiscal, o art. 16 da Lei de Execuções Fiscais (LEF) diz que não se pode arguir compensação, tão pouco reconvenção na execução fiscal.

No entanto, a jurisprudência tem admitido a compensação quando há crédito líquido e certo contra a Fazenda Pública exequente (definido pelo fisco ou decisão transitada em julgado). O precedente encontrado nesse sentido é o REsp 1.008.343, em recurso repetitivo, em que o STJ garantiu o direito de se arguir compensação nos embargos à execução fiscal nessas condições.

A Fazenda Pública pode cancelar a inscrição da dívida depois de proposta a execução até a decisão de primeira instância, sem qualquer ônus. Conquanto, a Súmula 153 do STJ estabelece que será sem ônus, desde que a Fazenda Pública não tenha gerado despesa ao executado. Se houve manifestação do executado, haverá naturalmente a condenação em honorários de sucumbência.

A substituição da penhora é cabível, assim como penhora em reforço. A Fazenda Pública pode também pedir a substituição de um bem por outro, ou de um bem por dinheiro. Já o executado pode pedir a substituição da penhora por dinheiro ou por carta de fiança. Ou seja, a Fazenda Pública somente aceitará a substituição por bem com maior liquidez.

Em que pese a previsão acima, a jurisprudência tem admitido a substituição de um bem por outro a pedido do executado, desde que justificável. A penhora em substituição ou em reforço não reabre o prazo para embargos. O prazo começa a correr da primeira penhora realizada, pois com os embargos se questiona a execução, e não o bem constrito. Portanto, para efeito da defesa do devedor da execução, não importa sobre qual ou quantos bens recaíram a penhora, começando o prazo a fluir a partir da primeira constrição.

Na prática, o reforço de penhora costuma ser pedido pela Fazenda Pública depois do leilão, quando já fluiu certamente todo o prazo para os embargos.

Muito se questiona acerca da possibilidade da Fazenda Pública aceitar precatório em substituição do bem penhorado. Conforme já mencionado, a substituição da penhora é permitida ao executado quando feita por dinheiro ou carta fiança. Assim, para os defensores da não obrigatoriedade da Fazenda Pública aceitar precatório em substituição de bem penhorado, tal motivo se dá pelo não enquadramento legal da hipótese.

Ademais, a Súmula 406 do STJ diz que a Fazenda Pública não é obrigada a aceitar precatório em substituição de bem penhorado, pois caracterizaria uma espécie de compensação, e essa somente pode ocorrer por Lei autorizadora.

A Fazenda Pública pode substituir a CDA até a sentença dos embargos. A súmula 392 do STJ diz que a CDA pode ser substituída em razão de erro formal ou material, sendo vedada a substituição do sujeito passivo. Portanto, excetuando a atribuição e apontamento do sujeito passivo, a CDA pode ser substituída por erros de cálculos, juros ou datas, por exemplo.

Com a troca da CDA, reabre-se na íntegra o prazo para os embargos, pois se muda o título da execução. Evidenciado erro e concretizada a substituição da CDA, natural que o executado tenha restituído todo seu prazo para defesa, haja vista a alteração substancial do conteúdo, chegando a ponto de ser considerado novo título executivo.

O art. 135, III do CTN diz que a execução pode ter seu redirecionamento contra o dirigente da empresa, em razão de fechamento irregular da empresa, mesmo que o nome desse dirigente não conste na CDA. Interrompe-se a prescrição em relação ao dirigente no mesmo ato que se interrompe em razão da empresa.

A Fazenda Pública tem 05 (cinco) anos, a contar do despacho inicial da execução contra empresa, para ordenar a inclusão do dirigente no pólo passivo.

EMBARGOS

A cognição dos Embargos a Execução Fiscal é ampla. Contra sentença cabem, além de embargos de declaração, apelação em 15 dias. O prazo da Fazenda Pública é contado em quádruplo. Ocorre que esse prazo benéfico somente se dá para oferta das razões da apelação, sendo que não tem esse direito para ofertar as contrarrazões. Contra a decisão que julgar a apelação, cabem os Recursos Especial e Extraordinário.

É considerada execução de pequeno valor aquela até 50 URTN, segundo o art. 34 da Lei de Execuções Fiscais. Atualmente, segundo critérios de atualização do STJ, 50 URTN corresponde a cerca de R$ 500,00 (quinhentos reais). Segundo os tribunais, o juiz não pode extinguir a execução de pequeno valor ao argumento de não haver interesse econômico, mas somente a Fazenda Pública tem a condição de dispor sobre seus direitos.

Contra decisão dos embargos a execução fiscal de pequeno valor, cabe os Embargos Infringentes (“embarguinhos”), no prazo de 10 dias. Será dirigido ao próprio juiz sentenciante, sendo por ele mesmo julgado. Da decisão que julga os embargos infringentes, não cabe Recurso Especial, pois não é decisão de Tribunal (art. 105 CF). No entanto, cabe Recurso Extraordinário, segundo art. 102 da CF, preenchidos os pressupostos. A Súmula 640 do STF qualifica tal fato de “causas de alçada”.

Ainda nessa fase, o executado pode fazer a remição (pagamento) do débito, liberando as penhoras. Não havendo tal hipótese, os bens irão a leilão. A Súmula 128 do STJ estabelece que em um primeiro leilão, o bem não pode ser arrematado por valor inferior à sua avaliação, e caso não haja lance nesse valor, irá a segundo leilão. No segundo leilão, o bem será vendido pelo melhor lance, desde que não fique caracterizado o preço vil (irrisório).

Cabem embargos à arrematação, de cuja sentença cabe apelação. Superada a fase dos embargos a execução, pode a Fazenda Pública pedir a adjudicação do bem, seja antes ou depois do leilão. Antes do leilão ela pode pedir a adjudicação pelo valor da avaliação. Pedindo a adjudicação depois do leilão,  não havendo lances, ela pode adjudicar pelo valor da avaliação. Havendo lance, ela pode ofertar o valor do melhor lance para adjudicação, tendo preferência em relação ao arrematante. Dessa forma, ela fica com o bem pelo valor inferior ao valor da avaliação, não precisando depositar para adjudicação, abatendo do crédito e prosseguindo a execução com o remanescente.

Em que pese todos os privilégios acima conferidos, a legislação em pelo menos uma situação preteriu a Fazenda Pública. O art. 685-A do CPC autoriza que o cônjuge ou descendente adjudique o bem penhorado pelo valor da avaliação ou do melhor lance, com preferência inclusive em relação à Fazenda Pública. O fundamento é para privilegiar o bem junto a família, tendo cunho social. É o chamado instituto pietatis causae.

*Marcelo Oliveira Barcelos Filho, advogado, especialista em Direito Processual Civil pela UFU