CONTRATOS AGRÁRIOS E A NOTIFICAÇÃO TÉCNICA PARA RETOMADA DO IMÓVEL

Os contratos de Parceria Agrícola e de Arrendamento Rural são contratos agrários típicos por serem regulados por legislação específica e complexa, destacando o Estatuto da Terra e o Decreto nº 59.566/66, que traçam normas claras e obrigatórias para a situação em questão.

Referidas legislações classificaram tais contratos como de interesse social e com características próprias, portanto, regrados por normas cogens que devem ser respeitadas porque estão ligadas ao interesse social, portanto, têm natureza especial.

Uma das regras impositivas previstas no Estatuto da Terra é determinação expressa de notificação técnica e justificada do arrendatário ou parceiro quanto a não renovação do contrato, devendo ser feita 06 meses antes do vencimento do contrato, dando o direito de preferência em igualdade de condições com terceiros ou declarando a intenção de retomada do imóvel para exploração pessoal.

Tal regra é a mesma para os contratos de Arrendamento e de Parceria Agrícola. Vejamos o que diz o Estatuto da Terra:

Art. 95. Quanto ao arrendamento rural, observar-se-ão os seguintes princípios:

  IV – em igualdade de condições com estranhos, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o proprietário, até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, fazer-lhe a competente notificação extrajudicial das propostas existentes. Não se verificando a notificação extrajudicial, o contrato considera-se automaticamente renovado, desde que o arrendador, nos 30 (trinta) dias seguintes, não manifeste sua desistência ou formule nova proposta, tudo mediante simples registro de suas declarações no competente Registro de Títulos e Documentos;

  V – os direitos assegurados no inciso IV do caput deste artigo não prevalecerão se, no prazo de 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, o proprietário, por via de notificação extrajudicial, declarar sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo diretamente ou por intermédio de descendente seu;

Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios:

 II – expirado o prazo, se o proprietário não quiser explorar diretamente a terra por conta própria, o parceiro em igualdade de condições com estranhos, terá preferência para firmar novo contrato de parceria;

Observamos claramente nos textos legais acima citados que a notificação é requisito formal e imprescindível para não renovação automática do contrato, devendo ser feita no prazo determinado e de forma técnica e justificada.

Não basta uma mera notificação, mas ela deve conter informações essenciais para o exercício do direito previsto na Lei, ou seja, deve conter claramente a declaração de intenção de retomada ou as propostas de terceiros.

É uma determinação legal, pois não pode o notificante expressar uma das situações e exercer a outra, sob pena de violação dos direitos do notificado e fraude contratual. Da mesma forma, não pode apenas fazer uma denúncia vazia sem expressar algum dos motivos de rescisão acima. Por isso, diz-se que a notificação deve ser técnica, sob pena de ineficácia.

Conforme dito, contratos agrários são típicos e sob a égide de legislação específica que os qualifica como sendo de interesse social, determinando claramente que a notificação seja precisaformaltécnica, e justificada com a exposição dos motivos da rescisão, sob pena de renovação automática do contrato.

O art. 95, IV e V do Estatuto da Terra é claro ao determinar que o notificante declare expressamente sua intenção de explorar diretamente o imóvel ou por seus descendentes, ou, e se for o caso, oportunizar o direito de preferência em igualdade de condições com terceiros interessados.

A jurisprudência é clara nesse sentido:

EMENTA: RENOVATÓRIA – ARREENDAMENTO RURAL – NOTIFICAÇÃO – AUSÊNCIA – BENFEITORIAS – QUANTUM – ALUGUÉIS – APURAÇÃO – PAGAMENTO.  
Cumpre declarar renovado o contrato de arrendamento rural, na ausência de manifestação técnica válida impeditiva da renovação automáticaAs benfeitorias necessárias e úteis, que se mostram construídas mediante autorização tácita, não podem ser ditas não autorizadas, para obstar a renovação do contrato de arrendamento rural. Legítimas as benfeitorias e certificado o seu valor, os aluguéis devidos devem ser apurados por meio de cálculos aritméticos, acrescidos da multa contratual, e pagos, depois de abatida a importância das benfeitorias. Recurso provido em parte.   (Apelação Cível  1.0701.09.283563-9/001, Relator(a): Des.(a) Saldanha da Fonseca , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/08/2013, publicação da súmula em 14/08/2013)

Apenas para ressaltarmos o conceito de manifestação técnica, vale a pena citarmos o voto proferido pelo ilustre Relator do julgado acima, dizendo: “A manifestação da apelada constante da parte final da contranotificação de f. 117-117v., de não ter interesse em renovar ou prorrogar o contrato, não cumpre a norma do art. 22 do Decreto n. 59.566/66. Isso porque ao proprietário cabe notificar e não contranotificar a intenção de não renovar o arrendamento, inclusive de forma justificada (art. 22 do Decreto n. 59.566/66 e art. 95 da Lei n. 4.504/64).

E conclui: “Dessa forma, a renovação do contrato de arrendamento rural deve ser tutelada, por mais um período de três anos, isto é, de 1º-10-09 a 1º-10-12, ante a inexistência de prova de que a apelada se manifestou, de forma técnica precisa, a ponto de impedir a renovação automática do contrato.” (grifamos)

Isso se dá porque os contratos agrários possuem forte relevância social e econômica, merecendo profunda proteção legal, especialmente proteção ao produtor rural que, sabidamente, mantêm uma atividade essencial para a população e mediante considerável esforço pessoal e financeiro.

O parceiro outorgado ou o arrendatário são considerados a parte mais fraca da relação contratual, aplicando-se o princípio da hipossuficiência. Por tais motivos, a Lei deve protegê-lo, e, de fato os protege.

O Superior Tribunal de Justiça também mantém o entendimento de que se a notificação não é tecnicamente formal e não obedece aos preceitos rígidos da Lei – não cabendo qualquer relativização – tem-se pela ineficácia da medida e renovação automática do contrato.

ARRENDAMENTO RURAL. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO “EXTRA PETITA”. PRAZO E PREÇO.

– Limitação imposta pelo julgado, na verdade uma simples observação, que não ofende as regras dos arts. 128, 264 e 460 do CPC.

– Aplicação, por analogia, do art. 16, § 1º, do Dec. nº 59.566, de 14.11.66, quanto à incidência da correção monetária. Inexistência de contrariedade à norma de lei federal. Fundamentos expostos pela decisão recorrida que, de resto, não foram objeto de impugnação por parte dos recorrentes.

– Declarada a ineficácia da notificação dirigida pelos arrendadores ao arrendatário, considera-se o contrato renovado automaticamente. A renovação importa em nova vigência do contrato com todas as suas cláusulas, inclusive a concernente ao prazo, que permanece determinado. Recurso especial conhecido, em parte, mas improvido.

(REsp 56.067/PR, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 24/08/1999, DJ 29/11/1999, p. 164)

Portanto, conforme acima demonstrado, entendemos que não cabe mera denúncia vazia em contratos agrários, ao contrário do que é permitido, por exemplo, na Lei de Locações, devendo constar na notificação a clara intenção de retomada, expondo de forma precisa as hipóteses legais previstas.

*Marcelo Oliveira Barcelos Filho, advogado, especialista em Direito Processual Civil pela UFU